quinta-feira, julho 01, 2010

Midlake – “The courage of others”


     Há alguns anos vi uma exposição de pintura de cujo autor não tive o cuidado de fixar o nome, que me encantou tanto como perturbou. Eram paisagens belas e verdes, imagens do campo, férteis e viçosas. Ou melhor, tenho a certeza que assim eram, mas não posso afirmar que as tenha visto. Não querendo confundir, passo a explicar.
     O que o artista fez foi cobrir essas paisagens com mantos cinzentos (e aqui falo em tinta espessa, não uma mera transparência de névoa). Apenas deixava um pequeno centímetro aberto com vista para paisagem original, um pequeno centímetro verde, que insinuava o esplendor que poderia estar pintado por detrás de tão monocromático e cinzento resultado final.
     Sempre me inquietei com a dúvida se realmente estavam lá as imagens que nos eram sugeridas. Se realmente se tinha dado ao cuidado de as pintar apenas para as poder ocultar.
     Este terceiro disco dos Midlake é um pouco assim.
     A paisagem é erguida para depois ser derrotada por medos, desencantos e até desesperos. Como se uma névoa Londrina colonizasse o prado mais solarengo. Às mais belas florestas, aos mais frescos campos, às grandiosas montanhas é questionada a razão da sua existência, é posto em causa o direito à sua beleza. Canta-se sobre a alegria perdida, a falta de fé no homem, a natureza desprezada, e foge-se ao tema supremo, o amor.
     Com uma sonoridade cada vez mais longe das planícies psicadélicas do primeiro álbum,"Bamnan and Silvercork", do Oklahoma ácido dos Flaming lips, e da terra natal (Denton, Texas), subindo rumo às montanhas do Colorado, instalando-se mais definitivamente como vizinhos dos Czars. No horizonte reconhecem-se as silhuetas do Californiano Neil Young e dos seus companheiros Crosby, Stills & Nash, dos Moody Blues ou dos America. Neste disco os Midlake assumem-se herdeiros das terras dos trovadores da década de 70 do século passado, com ricas harmonias vocais, belas melodias e arranjos de guitarra acústica e apontamentos de flauta ou guitarra eléctrica aqui e ali.
     No fundo os Midlake continuam o trabalho iniciado em "Trials of van occupanther", o segundo álbum, mas fazem-no com arranjos mais simples e uma menor paleta de cores. É um álbum mais denso e menos dinâmico, mais negro na intenção, apesar de ter algum brilho. Tem os seus (muitos) momentos altos na canção que dá nome ao álbum,"The courage of others", em "Children of the ground", em "Bring Down" (Onde o Neil Young de "The Needle and the damage done" mais se faz sentir), em "Fortune" e em "The Horn" (esta em modo de missa fúnebre).
     É um disco para se ouvir sozinho. Ouçam-no na intimidade do vosso refúgio ou com "headphones" naquela serra onde passaram o último fim-de-semana comprido, mas ouçam-no sozinho.
     Afinal, do alto das montanhas dos Midlake, o que se vê são os estilhaços de uma civilização que se perdeu na sua "Quest" por uma vida perfeita, onde o espaço onde o homem deveria comtemplar foi ocupado pela tortura dos caminhos, pelo vazio dos destinos. Restam as montanhas.

Mário Fernandes

Nota. Texto originalmente publicado na "Webzine" musical "Marsupial"

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