sábado, dezembro 18, 2010

Pop Dell’arte – “Contra Mundum”


     Vinte e três anos depois do lançamento do álbum de estreia (Free Pop), que é na minha opinião o mais importante disco de música portuguesa, os Pop dell’arte fazem-nos chegar mais um excelente longa-duração, o 4º de originais. Não tão radical como “Free-pop”, não tão certeiro como “Sex Symbol”, mas carrega toda a poesia e o lado arty que desde o início ajuda a definir uma banda incatalogável.
     Muito antes de toda a discussão sobre a validade ou não de uma banda portuguesa cantar numa língua estrangeira, já João Peste tinha estilhaçado qualquer preconceito sobre o assunto, cantando, declamando ou murmurando em francês, inglês e português ou simplesmente derramando poemas fonéticos, como no caso do single de apresentação e primeiro tema do álbum, o dançável e mui cool “Ritual transdisco”.
     Mas é ao segundo tema que surge o primeiro grande momento do disco, “My Rat-ta-ta”, uma valsa que não nos abandona desde a primeira vez que a ouvimos, pelo contrário persegue-nos e aproxima-se à medida que o dia se faz noite, adocicando o entardecer. Repete no entanto a fórmula mágica de “Poppa mundi”, de “Sex symbol” . “Contra-mundum” vai viajando por essa noite, arrancada pelo psicadélico “Wild’n’chic”, apimentada pelo sexual “Slave for sale”, ensombrada pelo momento íntimo e obsessivo de “Noite de chuva em campo de Ourique”. Em “Eastern streets”, marinheiros que dançam e sussurram o seu desejo à carne que passa ainda povoam o imaginário de João Peste, remetendo-nos para o vídeo de “Querelle”, um dos “êxitos” do historial da banda, e consequentemente para o universo de Fassbinder.
     A melancolia preenche a paisagem de “Diary of a soldier”, contrastando com o frenético “In my room”, um tema com angulosos riffs de guitarra, mais próximos dos primeiros trabalhos dos Pop dell’arte.
     Para o fim fica o melhor: “La nostra fecoce volontà D’Amore” é um arrebatador e desesperado manifesto de desejo e paixão, como se mais nada existisse, como se o sentido da vida apontasse rumo a um grande orgasmo romântico. Depois há “Har Megido’s Lullaby” (Canção de embalar para o Armagedon??), o derradeiro adormecer, o descanso dos guerreiros dessa utópica revolução em que os sentidos, a poesia, o erotismo e o romantismo, a arte, a liberdade e a personalidade saem vencedoras face à violência da vulgaridade, do poder e dos números.
     Mais arte que pop, sempre contra–mundum, este é um verdadeiro álbum dos Pop dell’arte, logo um excelente álbum.

Mário Fernandes

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